Uma das coisas boas do passar do tempo é poder rever certas
coisas e tirar conclusões bem diferentes de anos atrás. Não se trata de
demonizar o passado, mas, de ver as coisas de modo menos ingênuo. Falo aqui especificamente
da produtificação das pessoas por parte da mídia. Isso mesmo, as pessoas são transformadas
em produtos vendáveis, amplamente vendáveis.
Isso parece pouco claro, pois estamos mais acostumados a
enxergar os “artistas” como vendedores de produtos diversos de marcas diversas
nos diversos programas da mídia. Mas a realidade é bem mais clara do que
parece.
A produtificação que falo é aquela onde a indústria lança no
mercado produtos e mais produtos com o nome do artista “x”. Mais que isso,
muitas vezes uma cópia do próprio artista, em forma de boneco, é vendida, como
uma forma de interação com o artista desejado e venerado. E aí são colocados no
mercado os mais diversos produtos com a imagem do ser venerado a fim de causar
o desejo do fiel em obter aquele produto. As vezes nem tanto pelo produto em
si, mas, por causa do ser venerável cuja imagem ligada a ele, como que dizendo
que aquele produto é seu e por isso deve ser adquirido, para que o fiel, por
meio do produto, entre em contato com o ser venerado.
O paciente leitor já deve ter percebido que levei o texto
para o lado religioso, e não à toa. O que a mídia faz com os artistas é uma
mitologização dos mesmos, a fim de criar uma relação de veneração por parte dos
fieis fãs (fanáticos) par com seus ídolos, tal qual nas religiões. Por isso
mesmo não raro vemos fãs que passam dias em filas enormes para comprar
ingressos para shows de seus ídolos. É que se cria uma espécie de dependência
afetiva com o ídolo, que, de alguma forma, expressa os sentimentos explícitos
ou implícitos de seus fãs. A diferença entre os mitos sociais (religiosos,
políticos, esportivos e dos mais diversos tipos de atividade) e os mitos comerciais
é que os primeiros estão mais ligados à inspiração e ao desejo de uma realidade
metafísica, para se chegar a um ideal perfeito, enquanto que os mitos
comerciais são forjados para movimentar o mercado e enriquecer aqueles que os
forjam.
Sim, caro leitor, você está sendo usado em sua boa fé pelos
senhores do comércio como consumidor dos produtos que eles produzem e vendem a
fim de enriquecerem. Não que o método do comércio de produção-venda-compra seja
novidade, mas é difícil percebermos o jogo psicológico que é jogado e no qual
somos peças móveis nesse tabuleiro.
Bem, você deve estar se perguntando de onde tirei tudo isso.
Como eu escrevi lá no começo, tirei isso de uma revisão de algumas coisas da
minha vida que estou fazendo e que me fez pensar e chegar a essas conclusões.
Bem claramente falando, cheguei a essas reflexões assistindo
(graças à Senhora Internet) às antigas edições do Xou da Xuxa, programa
produzido e exibido pela Rede Globo de Televisão de 1986 a 1992.
Quem foi criança nas décadas de 1980 e 1990, gostando ou
não, fez e faz parte da Geração X. X de Xuxa, no Brasil. Isso porque nessas duas
décadas a “Rainha dos Baixinhos” reinou absoluta como a principal apresentadora
de programas infantis, aliás, como modelo de apresentadora também, copiada e inspiradora
para outras apresentadoras que surgiram depois.
Aliás, naqueles anos, o televisor reinava absoluto nos
lares. O que nele se via era motivo de discussão, reflexão, amor e ódio. Não
havia ainda a internet com sua amplidão de informações. Os poucos canais de tv,
mais comum meio de comunicação, eram os responsáveis por informar, entreter e
vender também.
E Xuxa soube como ninguém como usar a sua imagem para vender
produtos (como faz ainda). Desde que saiu da Rede Manchete e foi para a Rede
Globo, Xuxa foi recordista em vendagem de diversos produtos com seu nome,
principalmente discos. Quatro dos dez álbuns mais vendidos da história do
Brasil são de Xuxa (os volumes 2, 3 ,4 e 7 da série Xou da Xuxa; mas os demais
discos da Rainha também venderam e ainda vendem muito, se comparados a discos
de outros artistas). Para se ter ideia, de 1988 a 1998 o Xou da Xuxa 3 esteve
no Guiness Book como disco mais vendido da história fonográfica tupiniquim :
3,25 milhões de discos vendidos. Foi ultrapassado em 1998 por Músicas para
louvar o Senhor do Padre Marcelo Rossi com 4,5 milhões de cópias vendidas. Porém,
em vendagem absoluta é o atual campeão. Há estimativa de que o Xou 3 já tenha
vendido mais de 8 milhões de cópias, graças aos vários relançamentos em cd (o
álbum tem a famosa canção Ilariê como carro-chefe, entre outros “xuxexox”).
Para se ter ideia de como a figura de Xuxa foi mitologizada
depois que ela foi para a Globo, em entrevista a Leda Nagle, numa edição do
Jornal Hoje em 1987, Xuxa disse que estavam sendo preparados diversos produtos
a serem lançados (e que de fato foram e venderam “horrores”), pois eram os
próprios “baixinhos” pediam que fossem lançados produtos da Xuxa. Álbum de figurinhas, discos, bonecas, cadernos,
brinquedos diversos. Conforme Leda mesma cita, dizia-se na época que “tudo o
que Xuxa tocava vira ouro”. E assim ainda é. As crianças queriam ter a “rainha”
sempre presente.
Nota-se que a psicologia à serviço do mercado foi muito bem
usada. Criou-se a dependência à figura idolatrada, preenchida através da compra
de diversos produtos que traziam a entidade para junto de si.
É claro que não estou querendo dizer que Xuxa seja uma
vigarista e que se aproveita das crianças indefesas. Qualquer pessoa
inteligente, pesquisando um pouco, percebe que, de fato, há boa vontade dela em
relação às crianças, tanto que ela tem sempre participado de campanhas diversas
a favor das crianças (como a Carinho de Verdade) e desde de 1988 tem uma
fundação que cuida de crianças carentes, além de outros projetos. Mas também
não dá pra não perceber que ela, como boa cria do sistema capitalista, soube
unir o útil ao agradável. Uniu a boa vontade com a possibilidade de lucro. E
com isso tornou-se um produto amplamente consumível. Tanto que por isso
tornou-se quase uma caricatura de si própria, com dificuldade de viver a
própria vida. Sair na rua sem formar uma turba é praticamente impossível. Virou
refém da própria imagem. É possível viver bem assim? Sim, mas de forma bem
limitada.
Por fim, pergunto: Como ficamos nós no meio desse turbilhão?
Pensemos...
ALGUNS DOS MUITOS PRODUTOS COM O NOME DA XUXA VENDIDOS DESDE A DÉCADA DE 1980
Ha ha ha, eu comia essa sopa!
[
Entrevistas a Leda Nagle no Jornal Hoje
1986
1987:
1988;
https://www.youtube.com/watch?v=LUc8EqJdhhg
]
Edições do Xou da Xuxa
https://www.youtube.com/watch?v=yVmBRlc7dAw
RICARDO BECKER MAÇANEIRO
Brusque, 20 de maio de 2014, na Faculdade São Luiz.
Foi bom estar com você, pensar com você, discutir com você,
mas preciso ir embora. Beijinho, beijinho, txau, txau.
Obs: Quem me conhece sabe muito bem que não odeio a Xuxa,
muito pelo contrário, gosto muito dela, afinal, ela faz parte da minha história.
E eu nunca tive medo de dizer que sou fã dela e de escutar seus discos, que
trazem muitas músicas de bom conteúdo. Mas também não dá pra me fazer de
ingênuo e fazer de conta que ela é pura e imaculada, sem nenhum pecado. Não é
questão de bondade ou maldade, mas de formas de agir.
Para relembrar a minha infância, como iniciavam os meus dias até 1993...
Adendo:
Um promissor produto cancelado: para o programa "Xuxa" produzido para o público de língua inglesa Xuxa gravou duas dezenas de suas canções em inglês, além de duas faixas inéditas. Esse repertório renderia facilmente dois discos, que nunca foram lançados, embora circulem pela internet diversas versões das músicas, reunidas num único álbum, muitas vezes nomeado "Talk To Me" (uma das faixas inéditas em inglês).
Em tempo: poucas dessas faixas em inglês foram lançadas numa fita cassete que acompanhava as bonecas de Xuxa lançadas nos EUA.
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